A perda gestacional ou neonatal quebra com aquilo que é esperado pela ordem do ciclo vital, interrompe abruptamente a construção de sonhos e significados e traz um forte impacto para aqueles que estão envolvidos emocionalmente na vivência da concepção de um bebê.

Sofrer  esse  tipo  de  perda  pode  dar  origem  ao  luto,  um  processo  natural  e esperado diante do rompimento de vínculos.

Mesmo na barriga o vínculo com o bebê vem sendo construído e fortalecido através das sensações, imaginação, mudanças, planos e expectativas dos envolvidos. Quando esses sonhos são interrompidos alguns sentimentos tomam conta e passam a oscilar de forma confusa e desorganizada no dia-a-dia da pessoa enlutada. É comum sentir tristeza, medo, culpa, raiva, frustração, solidão, entre outras emoções.

O luto por essas perdas vem acompanhado de um desafio específico: a falta de espaço e autorização pela sociedade para expressar a dor. É o que chamamos de “luto não reconhecido”.

São muitas as mulheres que relatam experiências onde se sentem invalidadas e incompreendidas na dor que sentem após uma perda gestacional ou neonatal. Nem sempre de forma consciente, os profissionais e/ou pessoas do entorno social dessas mães acabam por dizer ou agir de maneira a tentar suprimir o sofrimento e afastar o tema da morte de suas vidas. Essas tentativas são experimentadas como falta de empatia e aceitação social para sentir e viver a perda e podem representar um fator de risco para a elaboração do luto dessas mulheres.

“Quando alguém me fala: “Quando você for mãe…”, meu coração se aperta, não entendo a dificuldade das pessoas de me reconhecerem como mãe, eu sou mãe, eu gerei, eu daria minha vida em troca da do meu filho, eu só não tive a oportunidade de criá-lo e pegá-lo nos braços, mas isso não me faz menos mãe!”, explica Janaina Ignacio, uma mãe que perdeu seu filho. Assim como Janaina, muitas outras mulheres carregam além da dor da perda, outras dores posteriores provocadas pelo despreparo e

desconhecimento da nossa sociedade em geral para lidar com os temas da morte e do luto.

Os pais que passam pela perda gestacional ou neonatal, também restringidos pela questão do luto não-reconhecido, ainda se deparam com velhas questões sociais e de gênero como “o homem não chora”, “você precisa ser forte”. Contidos na dor, e sentindo- se no dever de transmitir força e segurança para a companheira, esses homens se vêem com um espaço ainda mais restrito e são desautorizados, inclusive por eles próprios, a viver esse luto.

Além do pai e da mãe, outros familiares, amigos e até mesmo profissionais podem sentir pela perda de uma gestação ou bebê recém-nascido e estes também merecem respeito e atenção em suas dores.

Como profissionais devemos buscar o conhecimento, o preparo e o olhar humanizado para essas perdas, além de estar atentos ao entorno dos enlutados e poder identificar quando o acolhimento não vem espontaneamente pela rede de apoio. Nesses casos a pessoa deve ser orientada a buscar alternativas de cuidado com o seu luto. Pode ser de grande ajuda dividir experiências com outras pessoas que passaram pela mesma situação, participar de grupos de apoio ou buscar um acompanhamento psicoterapêutico.

A pessoa que perde um bebê e encontra espaço para sentir e expressar a sua dor, pode reorganizar esses sentimentos, construir novos significados para a perda e caminhar para o que chamamos de elaboração do luto: quando nos vemos capazes de lidar com a nova realidade que se apresenta.

Paula Leverone (CRP 08/18775)
Mariana Bayer (CRP 08/19103)